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sexta-feira, 2 de novembro de 2012




“Será que eu escapo desta?”

Bom dia!

Estou relendo e me deliciando com os textos do fabuloso contador de histórias Rubem Alves. Em um dos capítulos do livro “OSTRA FELIZ NÃO FAZ PÉROLA” o escritor escreveu alguns textos sobre a morte. Este eu escolhi especialmente para reflexão no dia de hoje – Dia de Finados. Como o texto é  longo, postarei apenas a primeira parte. Boa reflexão.

“Será que eu escapo desta?”
“Doutor, agora que estamos sozinhos quero lhe fazer uma pergunta: Será que eu escapo desta? Mas, por favor, não responda agora porque sei o que o senhor vai dizer. O senhor vai desconversar e vai responder: ‘Estamos fazendo tudo o que é possível para que você viva’. Mas não me interessa nem o que o senhor está fazendo nem o que todos os médicos do mundo estão fazendo. Sou uma pessoa inteligente. Sei a resposta. Sei que vou morrer. Na escola de medicina os senhores aprendem a ajudar as pessoas a viver. Mas haverá professores que ensinam a arte de ajudar as pessoas a morrer? Pois a morte não é parte da vida da mesma forma que o crepúsculo é parte do dia? Ou isso não faz parte dos saberes de um médico? O que eu desejo é que o senhor me ajude a morrer. Meus parentes mais queridos se sentem perdidos. Quando quero falar sobre a morte, eles logo dizem: ‘Tire essa idéia de morte da cabeça. Logo você estará andando...’. Mentem. Então eu me calo. Quando saem do quarto, choram. Sei que eles me amam. Querem me enganar pra me poupar de sofrimento. Mas são fracos e não sabem o que falar... Fico então numa grande solidão. Não há ninguém com quem eu possa conversar honestamente. Fica tudo num faz de conta... As visitas vêm, assentam-se, sorriem, comentam as coisas do cotidiano. Fazem de conta que estão fazendo uma visita normal. Eu finjo que estou prestando atenção, obedecendo às normas da delicadeza. Sorrio. Acho estranho que uma pessoa que está morrendo tenha a obrigação social de ser delicada com as visitas. As coisas sobre que falam não me interessam. Dão-me, ao contrário, um grande cansaço. Elas pensam que estou ali na cama. Não sabem que já estou longe, dentro da minha canoa, navegando no grande rio, rumo à terceira margem. Mas meu tempo é curto e não posso desperdiçá-lo ouvindo banalidades”... 



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