
Em Boa Vista não. Aqui, o passado é apagado, maquilado, desprezado. O pouco caso dá-se, sobretudo, por ignorância. Um estado novo, cuja leva de migrantes não teve tempo ou interesse de aprender sobre a nova terra é um dos maiores agravantes. Mudar isso assim, apagar aquilo outro, derrubar aquilo lá, ah, não importa, pois não se sabe da importância disso, daquilo outro, daquele lá. Pois quem não conhece não ama, e quem não ama, não cuida.
As pessoas que poderiam servir de referencia, de uma forma assustadoramente irresponsável, calam-se em mutismos indiferentes ou, pior, protestam em cochichos de calçadas, em murmúrios e lamentos de bastidores inócuos. E aqui me refiro aos pomposos historiadores, aos nossos circunstanciais intelectuais, aos nossos artistas de impoluta neutralidade. Vozes que em outros lugares, ao longo da história, sempre foram as primeiras a protestar, a balizar diante da ameaça ao bem social e cultural.
E porque estou eu a me utilizar desta empáfia, desta linguagem cheia de circunlóquios? Para falar do teatro municipal e da barbaridade cometida contra a memória e a história do teatro roraimense. Crime cultural consentidamente assumido e que colocou o nome de um jornalista sem nenhuma expressão nas artes cênicas como o de batismo do novo teatro.
Ainda que o jornalista Feutman Gondim tenha sido um talento reconhecidamente especial no jornalismo local, infelizmente ceifado de forma precoce, a homenagem é um tanto quanto desproporcional e cai-lhe, ao contrário do que pensaram os irresponsáveis autores da estapafúrdia ideia, como um epitáfio a ser lembrado mais pelo descrédito e desrespeito do que com uma honraria deveras meritória. E isso, em outras palavras, soa como deboche. Não que o nobre jornalista não mereça homenagens. Muito pelo contrário. Talento precoce, o jornalista trilhou carreira brilhante e escreveu seu nome na história do jornalismo roraimense. Mas, aos hospitais se nomeiam com nomes da área da saúde. Teatros, com expressões das artes... E por aí se referenciam as Câmaras Municipais e vereadores responsáveis do mundo todo. E na Câmara de Boa Vista o que se viu foi um ato de total irresponsabilidade, descaso e desrespeito à memória da cidade. E não foi por falta de aviso.
O nobre colega que dá assessoria àquela Casa, quando das nomeações das ruas e outros logradouros, o jornalista Francisco Cândido, fez um minucioso histórico da vida do Pai do Teatro Roraimense, o cantor lírico, ator e palhaço, Celestino da Luz, quem construiu a primeira casa de espetáculos do então Território Federal de Roraima, o Clube Hi-Fi... O resto é história. E uma linda história que foi solenemente ignorada e tripudiada pela Câmara ao atender indicação encabeçada pela jornalista Shirley Rodrigues quem, junto com alguns familiares do falecido, buscaram a vereadora Lurdinha Pinheiro (quem me contou o ocorrido) para propor o nome do teatro. Sugestão acatada de pronto pela vereadora que, compungida pelas lágrimas de alguns, aderiu ao despropósito e tratou de disseminá-la entre seus pares que a aprovaram a unanimidade e encaminharam ao Prefeito.

Em nenhum momento algum dos edis parou para refletir sobre a adequação da indicação. Da importância histórica, do valor memorial. À revelia do perfil levantado por Francisco Cândido, cujo trabalho todo mundo conhece através do criterioso trabalho de pesquisa histórica semanalmente publicado na Folha de Boa Vista, e do ofício do Conselho de Cultura do Estado que, diante da importância do ato da nomeação de um teatro municipal, e na inexistência de um Conselho Municipal (ainda em formação) encaminhando lista de sugestões com nomes deveras importante na história do fazer teatral no estado, a Câmara manteve a trapalhada e legitimou o descaso e o desrespeito não só com a memória cultural, mas, também, com a família de Celestino da Luz.
Como justificativa (ou na falta dela), disse-me a vereadora Lurdinha Pinheiro que a alegação pelo nome do jornalista foi de que ele é quem mais havia de empenhado pela liberação da verba para a construção do teatro municipal... Engraçado ouvir isso de uma pessoa com o lastro e a vida política de uma vereadora como a referida senhora. Afinal, como todo mundo sabe, quem se empenha por verbas são vereadores, deputados e senadores. No caso do jornalista falecido, enquanto assessor parlamentar da senadora Angela Portela, em Brasília, ele se empenhou apenas em cumprir seu papel ao acompanhar o processo em suas instâncias, defendendo os interesses da senadora em ter seu nome ligado à liberação dos recursos; e defendendo também, claro, seu emprego de assessor. Ou seja, não fez mais do que sua obrigação.
Por este tipo de justificativa rasteira, que soa como um tripúdio à inteligência alheia, cabe entender que uma hipotética Dona Mariquinha, secretária do ministro da Cultura, que também se empenhou em carimbar, despachar, etc, o processo de liberação da verba, e que por ventura ou desventura morrera em seguida, também mereceria, pelo menos, uma sala com seu nome naquele teatro...
Ao invés da razão e do bom senso, rendeu-se à comoção e à chantagem emocional; em detrimento dos dados da história, preferiu-se a desinformação e a manipulação de dados. A distorção dos fatos.
Fossem os familiares de celestino da Luz chorar aos pés dos vereadores, talvez? Não. Eles jamais se prestariam a tão humilhante papel. Méritos são reconhecidos, não mendigados.
A jornalista que propôs a homenagem cumpriu o papel magnânimo de dar ao seu maior amigo, braço direito e também mão direita (muitas vezes o jornalista Feutman Gondim usou aquela coluna social de forma “anônima” para expressar opinião em notas que, de longe, se destacavam pelo seu DNA jornalístico: texto preciso, inteligente e de português irretocável). Um ato louvável em se tratando de amizade. Mas, como jornalista e que se diz pessoa de cultura, enquanto acadêmica imortal da ARL e também conselheira de cultura do estado por mais de 10 anos, caber-lhe-ia a responsabilidade e a isenção emocional diante da seriedade da ocasião. Afinal, volta e meia vê-se em sua coluna furiosas notas em defesa da Macuxilândia e sobre identidade regional. A atitude passional da jornalista depõe contra sua credibilidade. Lamentável.
Ainda que a Câmara desconhecesse a importância do nome de Celestino da Luz, que não tenha recebido a tempo as sugestões do Conselho de Cultura sobre as personalidades historicamente ligadas ao teatro, ainda assim, induzida ou não, cometeu outro deslize imperdoável: ao considerar que o nome de um jornalista sem nenhuma ligação com o teatro era adequado, atropelou a memória de Laucides Oliveira, cujo legado, de longe, supera em méritos o de Feutman Gondim. O decano Mestre lau, por sua importância na história do jornalismo de Roraima e também um homem de auditórios, ainda não recebeu homenagem à altura.

Sobre o Prefeito Iradilson Sampaio ter referendado o absurdo, vou me poupar de quaisquer comentários. Não se pode exigir nada de quem cuja lucidez cultural só acontece em pequenas doses. Além de que lhe salvaguarda a ignorante indução referendada pela Câmara.
Mas, o que assusta mais ainda neste imoral assunto é o silêncio suspeito dos artistas, sobretudo os de teatro. A falta de posição e a conivência covarde dos formadores de opinião. Deprime, sobretudo, a neutralidade daqueles que se dizem historiadores.
Uma amiga minha que muitos aqui já conhecem cunhou uma frase que, aqui, adequa-se à perfeição. Parodiando Euclides da Cunha, e diante dessa falta de atitude do povo daqui em aceitar tudo que lhe é imposto, disse: “O roraimense é antes de tudo, um frouxo”.
Diante do exposto, e para encerrar, gostaria de dizer aos protagonistas desta lamentável e vergonhosa falta de respeito com a memória da cidade e, sobretudo com as famílias de Celestino da Luz e de Laucides Oliveira que, ao encontrarem algum de seus familiares tenham, pelo menos, a coragem de lhes pedir desculpas.
Júnior Brasil
Membro da Academia Roraimense de Letras
Membro do Conselho de Cultura do Estado
Diretor e ator de teatro
Fonte: Jornal Eletrônico Fonte Brasil - Colunista Jr. Brasil
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