Phillipe Ariès (Historiador Francês) em seu livro “História da Morte no Ocidente”, discorre sobre a história da morte no ocidente desde a idade média até os dias atuais. Mostra-nos o historiador, como o homem tinha sua compreensão da morte na idade média e como a compreende nos dias atuais. Segundo Ariès, havia no início da idade média uma familiaridade com a morte, ou seja, era um acontecimento público, onde ao pressenti-la o doente se recolhia ao seu aposento, acompanhado por todos aqueles que lhe queriam bem, pedia perdão por suas culpas, legava seus bens e esperava a sua hora. A partir do século 18 a morte passou a ser encarada como uma transgressão que roubava o homem do seu cotidiano e convívio familiar. Já no século 19, a morte se transformou em tabu onde os parentes do moribundo tentavam poupá-lo, escondendo a gravidade de sua enfermidade. A partir dos anos 30 a medicina mudou a representação social da morte – o doente deixou de morrer em seu lar para morrer sozinho num quarto qualquer de hospital.
A partir da metade do século 20 a medicina passou por um momento de transição da sua fase paternalista – interferência do médico sobre a vontade do paciente autônomo – para a compreensão e o respeito ao princípio da autonomia e ao consentimento livre e esclarecido do paciente. Essa mudança de comportamento por parte dos médicos e os avanços da ciência e tecnologia, nos abriu a possibilidade de prolongar a vida ou abreviá-la; deixar o doente morrer com dignidade ou condená-lo a meses e até anos de vida vegetativa ligado a modernos aparelhos que nada mais fazem do que prolongar seu sofrimento e de seus familiares.
Em novembro de 2006 o Conselho Federal de Medicina aprovou a Resolução nº 1805/2006, resolução esta que permite ao médico, na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis, limitar ou suspender procedimentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal. Tal resolução, sem sombra de dúvida, representa um avanço na legislação penal brasileira ao permitir a prática da ORTOTANÁSIA, que é a morte no momento certo, com conforto e alívio do sofrimento.
No entanto, em 2007, o Ministério Público Federal, através da Procuradoria da República no Distrito Federal determinou liminarmente ao Conselho Federal de Medicina a revogação da resolução por entender, pasmem, que a medida é “uma afronta ao direito à vida” e constitui “incitação e apologia ao homicídio”.
Contrariando por antecipação a decisão do Ministério Público Federal o Papa João Paulo II, em sua encíclica Evangelium Vitae afirmou: “Quando a morte se anuncia iminente e inevitável, pode-se em consciência renunciar a tratamentos que dariam apenas um prolongamento precário e penoso da vida, sem, contudo, interromper os cuidados normais devidos ao doente em casos semelhantes”. E conclui sua Santidade: “A renúncia aos meios extraordinários e desproporcionados não equivale ao suicídio ou eutanásia, antes, à aceitação da condição humana diante da morte”. Sabia tudo sua Santidade!
Contrariando ainda a decisão do MPF, foi aprovado em 02/12/2009, após nove anos de tramitação, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado o PLS nº 116/2000 de autoria do Sen. Gerson Camata (ES), cujo relator foi o Sen. Augusto Botelho (RR), que legaliza a prática da ortotanásia no Brasil. O texto do PLS foi aprovado pela Comissão de Bioética da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
Em 1º de dezembro de 2010 o juiz Roberto Luis Luchi Demo emitiu sentença onde considera improcedente o pedido do Ministério Público Federal por meio de Ação Civil Pública de decretação de nulidade da Resolução nº 1.805/2006. A decisão colocou um ponto final em disputa que se arrastou por mais de três anos.
Penso que não é ético lançarmos mãos de meios e medidas “desproporcionais” e “extraordinárias” em situação de morte evidente e inevitável. Os médicos brasileiros primam pela vida, mas entendem que a morte deve seguir o seu curso natural.
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